“O que está na mídia é uma vergonha”
Humberto Dantas ganhou o apelido de BemBem aos 10 anos de idade, quando fez seu primeiro teste de aptidão para a música. Ao avaliá-lo, o maestro Urbano Medeiros disse que o menino solfejava “bem…bem” enquanto cantava. Na ocasião, ele foi selecionado para banda de São José do Seridó, e os colegas, para provocá-lo, passaram a chamá-lo de BemBem, apelido que o acompanha até hoje e virou sinônimo de um regente dedicado ao ensino da música às crianças e jovens de Cruzeta.
BemBem entrou para a Banda de Cruzeta, ou Filarmônica 24 de Outubro, em 1988. Então com apenas 19 anos de idade, o maestro já adotava a postura de demonstrar através da música o “orgulho de ser sertanejo”.
Nesta entrevista, o regente fala da necessidade de “valorização dos nossos artistas” que não têm reconhecimento pela qualidade de seus trabalhos. BemBem defende a criação de um movimento que possa promover a divulgação e a defesa dos talentos locais.
Humberto “BemBem” Dantas, que fez da Banda Filarmônica de Cruzeta uma das mais reconhecidas do RN e do Nordeste, já tendo levado músicos até a Europa, acredita no poder da música e vê nela uma ferramenta importante para a formação “não só de músicos, mas de cidadãos”. A grande paixão pela música se revela em sua filosofia de ensino: “Te ensinarei uma nota e você descobrirá o mundo”.
Correio da Tarde: Desde que o senhor entrou na Banda de Cruzeta até hoje, quais foram as principais mudanças e desafios?
Bembem Dantas: A principal dificuldade era a banda ter uma consciência, uma constituição enquanto escola de música. Essa consciência é muito difícil de transpor, criar idéia de que nos éramos uma escola e podíamos assumir nosso próprio caminho, superando preconceitos e desafios como o de se tornar uma orquestra e permitir a entrada de mulheres na banda, que na época era vista como um ente militar permitido somente para homens. Tornar a banda uma escola de vida, de socialização, de música e cultura foi a principal mudança e conquista durante esses anos.
O que representa a banda para o senhor e para seus alunos?
Para mim, é minha vida. Foi onde eu, como alguém que acredita na juventude e no país, pude fazer um trabalho sério, que, sem a presença de politicagem, tem condições de prestar um grande serviço à comunidade. Pessoas que poderiam estar perdidas na vida, ganham a oportunidade de descobrir e mostrar seu talento e conquistar algo com isso.
Como você analisa essa questão de que muitas vezes artistas locais que não se destacam tanto aqui acabam adquirindo um reconhecimento melhor fora do Estado?
Eu acho que existe um desprezo, um grande descaso com o artista local. Nós temos um governo que não investe em cultura e que quando investe alguma coisa considera como um gasto. Não são aprovados projetos. O que se vê é muita desorganização e não existe nenhuma ação no sentido de melhorar essa situação. É de uma grande tristeza ver que artistas maravilhosos que temos em nosso Estado não tenham o lugar de destaque que merecem.
Que incentivos você acha que poderiam ser aplicados na área da cultura?
É preciso uma união das pessoas que se sentem prejudicadas por essa situação no sentido de desencadear um movimento que possa impulsionar as produções desses artistas, como a criação de um selo, de um estúdio de gravação, de uma editora e algo mais que possa nos ajudar a mostra nosso trabalho. É necessário bater de frente e apresentar novos projetos para fortalecer essa área cultural.
Como você avalia o atual cenário musical que se destaca na grande mídia?
O que está na mídia é uma vergonha. Não existe ninguém que não saiba o que é jabá, o que é pagar para tocar, se usar de influência econômica e política para se promover. Eu acho que esse é o ponto de exterminação da nossa cultura.
Quanto ao ensino da música nas instituições de ensino? Como enxergar essa questão?
Nós temos um projeto para a música e temos que incentivar a inclusão da música no currículo escolar. Quando observamos o ensino da arte nas escolas nos deparamos com muitos professores mal capacitados, sem uma formação acadêmica que os possibilite passar um conhecimento importante para o crescimento dos alunos. É preciso que o ensino da arte e da música na escola seja revisto, muitos alunos vem se formando nos cursos acadêmicos de licenciatura para formar professores para a área musical.
O que você acha da invasão cultural que vem acontecendo nos últimos tempos?
Isso é um crime cultural, um verdadeiro desastre para nossa cultura e para nós como povo. A globalização não é uma coisa que vem de hoje, essa imposição cultural veio crescendo a um ponto que já tomou conta de tudo. Você liga o rádio ou a televisão e o que você vê são coisas apenas com o único propósito de gerar dinheiro.
Essa convicção e orgulho de ser sertanejo pode ser explicado?
Meu grande orgulho é o de ser sertanejo. Eu acho que a maneira humana do sertão deveria ser um modelo. Uma sociedade onde você ainda vê o valor da palavra, o valor da dignidade, da fraternidade, da comunhão, da religiosidade, o respeito com o outro e a coragem característica do sertanejo. No sertão não há lugar para a covardia e para a traição, é um lugar em que a luta pela sobrevivência é algo comum do dia-a-dia.
Quais são seus projetos atuais?
Meu projeto imediato é o de montar uma escola de música na cidade de Vera Cruz e continuar meu trabalho na Banda de Cruzeta. Outro projeto é dar continuidade a um trabalho que foi criado para implantar bandas e centros de formação musical em regiões do RN e, claro, continuar com minha cruzada na defesa da nossa cultura e de nossos artistas.
Felipe Gibson Especial para o Correio da Tarde
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